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domingo, 13 de novembro de 2011






DO MUNDO VIRTUAL
 AO MUNDO ESPIRITUAL



Sou amante incondicional do Frei Betto um escritor fenomenal, entre suas obras mais importantes “Sinfonia Universal” e a “Mosca Azul” se destacam com grande excelência, esta semana recebi um Email com um artigo maravilhoso escrito por este grande homem de Deus e gostaria de compartilhá-lo com todos.

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: "Qual dos dois modelos produz felicidade?" Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: "Não foi à aula?" Ela respondeu: "Não, tenho aula à tarde". Comemorei: "Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde". "Não", retrucou ela, "tenho tanta coisa de manhã..." "Que tanta coisa?", perguntei. "Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina", e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: "Que pena, a Daniela não disse "tenho aula de meditação"! Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso, as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a Inteligência Emocional. Não adianta ser um super-executivo se não consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação! Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: "Como estava o defunto"? "Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite"! Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa? Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega Aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais. A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções - é um problema: a cada semana que passa temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: "Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!" O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede, desenvolve de tal maneira o desejo que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose. Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los aonde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque para fora ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse. Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping Center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas... Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald’s… Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: "Estou apenas fazendo um passeio socrático." Diante de seus olhares espantados, explico: "Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz".


Autor de mais de 52 livros, editados no Brasil e no exterior, Frei Betto nasceu em Belo Horizonte (MG). Estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia. Frade dominicano e escritor ganhou em 1982 o Jabuti, principal prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, por seu livro de memórias Batismo de Sangue. Em 1986, foi eleito Intelectual do Ano pelos escritores filiados à União Brasileira de Escritores, que lhe deram o prêmio Juca Pato por sua obra “Fidel e a religião”. Seu livro "A noite em que Jesus nasceu" (Editora Vozes) ganhou o prêmio de "Melhor Obra Infanto-Juvenil" de 1998, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 2005, o júri da Câmara Brasileira do Livro premiou-o mais uma vez com o Jabuti, agora na categoria Crônicas e Contos, pela obra “Típicos Tipos – perfis literários” (Editora A Girafa). Foi coordenador da ANAMPOS (Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais), participou da fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da CMP (Central de Movimentos Populares). Prestou assessoria à Pastoral Operária do ABC (São Paulo), ao Instituto Cidadania (São Paulo) e às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Foi também consultor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Em 2003 e 2004 atuou como Assessor Especial do Presidente da República e coordenador de Mobilização Social do Programa Fome Zero. Desde 2007 é membro do Conselho Consultivo da Comissão Justiça e Paz de São Paulo. É sócio fundador do Programa Educação para Todos.

terça-feira, 1 de novembro de 2011


SOCIEDADE TRANSFORMADA

É POSSÍVEL?



Quando pensamos na possibilidade de melhorar o mundo, tudo depende de nossa visão do homem. Comecemos pelo homem sem Cristo: de que ele é capaz? Aqui, duas doutrinas bíblicas precisam ser mantidas em equilíbrio: a depravação total e a graça comum. A primeira não significa que todas as pessoas não-convertidas agem sempre de uma forma depravada, mas que o pecado afeta todas as áreas da vida humana. Refere-se à extensão do pecado, e não à sua profundidade. A graça comum, por sua vez, não é a graça salvadora que atinge aqueles que estão “em Cristo”, mas a graça de Deus à humanidade em geral, pela qual o homem continua sendo capaz de buscar a beleza, a verdade e o bem. Pensemos na relação entre a depravação total e a graça comum, distinguindo-a de duas concepções falsas. Imaginemos a vida do homem sem Cristo em todas as suas dimensões como um copo cheio de água. A primeira idéia falsa é: o homem está em estado de completa depravação moral, e dele não se pode esperar nada de bom, a não ser que se converta a Cristo. E a segunda idéia falsa é: o homem foi afetado pelo pecado em apenas algumas áreas de sua vida; outras permaneceram intocadas. Esta é a visão do homem subjacente a todas as utopias, baseadas ou na educação do indivíduo ou na transformação das estruturas.Finalmente, chegamos à visão bíblica, correta. Todas as áreas da vida do homem saem do copo afetadas tanto pela depravação total como pela graça comum; as proporções de cada elemento variam de acordo com a natureza da ação. Nenhuma realização humana está isenta dos efeitos do pecado; mesmo as ações mais altruístas têm um lado sombrio. Mas a graça comum de Deus também está presente em todos os espaços da vida, fundamentando um otimismo bíblico realista. Isso, sem levar em conta os efeitos da conversão a Cristo.

TRANSFORME O HOMEM E ELE TRANSFORMARÁ A SOCIEDADE?

A relação entre mudança estrutural e mudança individual sempre foi muito discutida. A sociedade se transforma pela transformação dos indivíduos ou pela transformação das estruturas? Na realidade, trata-se de uma pista falsa. O ser humano não existe fora das estruturas sociais (as experiências medievais em que as crianças foram mantidas totalmente sem contato humano levaram à morte precoce das “cobaias”), e as estruturas não existem sem os indivíduos que delas fazem parte. A relação entre comportamento individual e estruturas funciona nos dois sentidos. Até o marxismo, tido como exemplo clássico de proposta social que põe toda a ênfase na mudança estrutural, fala de um “homem novo” que surgirá no socialismo. A existência desse “homem novo” (não um ou dois, mas como fenômeno de massas) é precondição para a construção do comunismo, ou seja, a sociedade sem classes. Em outras palavras, para a última mudança estrutural da história, é necessária uma mudança no homem. Como produzir esse “homem novo” foi a preocupação central de todas as experiências marxistas já realizadas. Em alguns momentos os cristãos, percebendo isso, chegaram a sugerir que talvez o cristianismo tivesse uma receita interessante. Mas, nesse caso, já estamos falando de homens novos cristãos e não de convertidos ou nascidos de novo. A conversão não leva automaticamente às atitudes e ações corretas em favor das transformações sociais. A conversão é apenas o início de uma transformação progressiva rumo à renovação da imagem de Deus em nós.

Texto de Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, doutor em sociologia e professor do programa de pós-graduação em ciências sociais na Universidade Federal de São Carlos e professor catedrático de sociologia no Calvin College, EUA. *Fragmento do capítulo 17, “De homens novos e países sérios”, do livro Religião e Política, Sim; Igreja e Estado, Não, publicado pela Editora Ultimato